Com todos os sinais celulares complexos, mutações genéticas e influências externas, como o nosso organismo consegue se manter em homeostase? A resposta é o sistema endocanabinoide.
Segundo a Science Direct, o sistema endocanabinoide (SECB) é um complexo sistema de sinalização celular por meio de transmissores dentro do nosso corpo. Poucas pessoas já ouviram falar desse sistema, pois ele foi recentemente descoberto (no início da década de 1990).
Neste artigo, Dr Diego de Castro, Neurologista e Neurofisiologista pela USP, explica sobre o Sistema Endocanabinoide, seus componentes, suas funções e como sua compreensão vem ajudando no desenvolvimento de diversos medicamentos.
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A popularidade da maconha como uma droga recreativa deve-se à sua capacidade de alterar a percepção sensorial e causar euforia. No entanto, a capacidade dos extratos da planta de cânhamo (Cannabis sativa) de causar uma variedade de efeitos medicinais não relacionados às suas propriedades psicoativas havia sido reconhecida já no terceiro milênio a.C., quando textos chineses descreveram sua utilidade no alívio da dor e cólicas.
Mas até as últimas décadas, a pesquisa sobre maconha era um campo bastante esotérico, de interesse para um pequeno número de cientistas. O primeiro avanço importante foi a identificação da estrutura química correta do tetrahidrocanabinol (THC), o principal ingrediente psicoativo da maconha, em 1964.
A partir de então, os estudos dos efeitos biológicos do THC e seus análogos sintéticos revelaram sinais de interações em nosso organismo, com receptores canabinoides específicos.
Com a evolução dos estudos, foi possível identificar que, para estimular esses receptores, nossos corpos produzem moléculas que têm uma semelhança estrutural com as encontradas na planta cannabis.
O primeiro endocanabinoide descoberto foi nomeado anandamida em homenagem à palavra em sânscrito ananda para felicidade.
Conforme artigo publicado na Biological Psychiatry, o SECB compreende uma vasta rede de sinais químicos e receptores celulares que interagem entre si em nosso cérebro e corpo. Sua estrutura envolve três componentes principais:
Também chamados canabinoides endógenos, estas substâncias são moléculas produzidas pelo nosso próprio corpo. Elas receberam este nome, pois sua estrutura é semelhante à dos canabinoides (extraídos da planta cannabis).
Até o momento, os endocanabinoides já descobertos e melhor caracterizados são:
Nosso organismo os produz conforme necessário, tornando difícil saber quais são os níveis típicos para cada um.
Estes receptores são encontrados em todo o nosso corpo. Eles são ativados quando as substâncias endocanabinoides se ligam a eles para sinalizar que o SECB precisa realizar.
Existem dois receptores endocanabinoides principais:
As Substâncias Endocanabinoides podem se ligar a qualquer receptor do SECB. Os efeitos que resultam dessa ligação dependem de onde o receptor está localizado e a qual substância ele se liga.
Além do CB1 e CB2, evidências farmacológicas vem se acumulando ao longo dos anos para apoiar a existência de um ou mais receptores adicionais dentro do SECB.
Segundo artigo publicado na Protein & Peptide Letters, ao contrário dos neurotransmissores clássicos, os endocanabinoides não são armazenados em compartimentos dentro de nossas células. Em vez disso, são produzidos "sob demanda" por enzimas e liberados dos neurônios imediatamente.
Após sua função de sinalização, a substância é recaptada por um transportador para ser degradada por outras enzimas.
A compreensão desse mecanismo enzimático envolvido no metabolismo endocanabinoide oferece oportunidades interessantes para o desenvolvimento de medicamentos direcionados.
Artigo publicado na Pharmacological Reviews explica que o Tetrahidrocanabinol (THC) é um dos principais canabinoides encontrados na cannabis. É o composto com efeitos psicoativos. Uma vez em seu corpo, o THC interage com o SECB ligando-se aos receptores (tanto os CB1, quanto os CB2), assim como os endocanabinoides.
Isso permite que ele tenha uma gama de efeitos em seu corpo e mente. Por exemplo, o THC pode ajudar a reduzir a dor e estimular o apetite. Mas também pode causar paranoia e ansiedade, em alguns casos.
Por outro lado, o canabidiol ou CBD, outro canabinoide importante encontrado na cannabis não interage com os receptores CB1 ou CB2. A comunidade científica ainda não compreendeu totalmente como o CBD interage com o SECB. Algumas possibilidades sugeridas são a inibição da degradação da anandamida ou suas propriedades antioxidantes.
Embora os detalhes de como ele funciona ainda estejam em debate, pesquisas sugerem que o CBD pode ajudar com dor, náuseas e outros sintomas associados a múltiplas condições.
Segundo a Harvard Health Publishing, a comunidade científica ainda está tentando entender completamente o funcionamento do sistema endocanabinoide, mas até o momento já sabemos que ele é fundamental para quase todos os aspectos do nosso funcionamento, regulando e controlando muitas de nossas funções corporais, como:
Todas essas funções contribuem para a homeostase, ou seja, a estabilidade do ambiente interno em nosso corpo.
Hoje, acreditamos que a manutenção da homeostase seja o papel principal do SECB. Por exemplo, se uma força externa, como uma lesão ou infecção, desequilibrar a homeostase do seu corpo, o SECB entra em ação para ajudar seu corpo a retornar ao funcionamento ideal.
Neste sentido, a compreensão do sistema endocanabinoide pode levar ao desenvolvimento de medicamentos que ativem ou que bloqueiem a ação do SECB.
Por exemplo, como os endocanabinoides e o receptor CB1 estão presentes em altas concentrações em áreas do hipotálamo envolvidas no controle alimentar, podemos produzir medicamentos para alívio de anorexia e náuseas em pacientes com doenças associadas a perda de peso involuntária e também medicamentos que atuem na modulação do apetite.
O estudo do SECB foi inicialmente focado em tentativas de entender a ação de uma planta considerada droga ilegal sobre nosso organismo. Mas, conforme as pesquisas foram se desenvolvendo, encontramos um sistema surpreendente, pelo qual nosso corpo aprende, sente, se motiva e se mantem em equilíbrio.
Estamos no início de uma fase de descobertas em relação ao SECB e do desenvolvimento de novos medicamentos que podem ajudar a aliviar diversos sofrimentos.
Dr Diego de Castro é Neurologista e Neurofisiologista pela USP especialista em Doença de Parkinson e Distúrbios do Movimento. Também é membro da Academia Brasileira de Neurologia (ABN) e da Sociedade Brasileira de Neurofisiologia Clínica (SBNC). Cuida de pacientes com Parkinson e condições neurológicas raras. Também disponibiliza informações para pacientes e familiares. Leia nossos artigos:
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